No Brasil todo o arcabouço de regulamentações e incentivos à inovação é relativamente recente. A Lei de Patentes (Lei No 9.279) só entrou em vigor em 1996, criando as bases de um sistema patentário que permitiu, somente 8 anos mais tarde, que a primeira Lei de Inovação encontrasse “terreno fértil” para ser sancionada…
A partir deste marco, vários outros mecanismos têm sido regulamentados, tal como a criação de fundos setoriais e leis complementares com o intuito de estimular cada vez mais os investimentos em PD&I no setor privado.
A Lei de Patentes foi fundamental para regular os direitos e obrigações relativos à propriedade intelectual, com o intuito de obter uma patente. Segue uma definição que explicita claramente o interesse estratégico neste tipo de proteção:
“A patente, por meio de um monopólio, delimita as fronteiras de direito de exclusividade do inventor, no que se refere à exploração do objeto em questão, impedindo que terceiros aufiram os benefícios dessa exploração desautorizada”.
Este foi, sem dúvida, um marco decisivo para mudar os rumos do cenário nacional da inovação. Até então, a instabilidade jurídica desestimulava boa parte das empresas a investir em PD&I no país, pois havia um receio de que as criações fossem copiadas (prática comum na época em países que desrespeitavam tratados internacionais de propriedade intelectual como a China e Índia).
Dentro desta nova perspectiva, depois da assimilação dos impactos da mudança do sistema patentário, as empresas e instituições começaram a sentir a necessidade de criar regras mais claras para regular as relações das partes envolvidas no sistema de inovação como um todo, tanto do lado das universidades quanto das indústrias e agências de fomento. Surge finalmente, em dezembro de 2004, a tão esperada Lei de Inovação brasileira!
Dentre os diversos aspectos tratados nesta lei, sancionada pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, e que dispõem principalmente sobre os incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, vale mencionar o seu propósito essencial de “capacitação tecnológica e autonomia para o desenvolvimento industrial do país”.
Abaixo são destacados alguns pontos mais relevante do Ato:
- Apoio à constituição de alianças estratégicas e projetos de cooperação envolvendo empresas nacionais e Instituições Científico-Tecnológicas – ICTs com o objetivo de geração de produtos e processos inovadores;
- Fica facultada à ICT a celebração de editais para poder efetivar o licenciamento de patentes com exclusividade e a posterior transferência da tecnologia;
- Obrigam-se as empresas que licenciaram patentes de ICTs a comercializarem a invenção dentro do prazo e condições definidas em contrato;
- Além da garantia dos royalties, que podem chegar a até um terço dos ganhos econômicos resultantes de contratos de transferência de tecnologia e de licenciamentos, pesquisadores públicos podem ainda receber adicionais variáveis referentes à prestação de serviços tecnológicos, ou, se necessário, licenciar-se por até três anos para constituição de Empresa de Base Tecnológica – EBT;
- As agências de fomento, através da destinação de um percentual mínimo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico-Tecnológico – FNDCT, foram liberadas para concessão de subvenção econômica mediante contrapartida pela empresa beneficiária, sendo priorizadas as micro e pequenas empresas nacionais.
Estas medidas começaram imediatamente a sortir efeitos. Agências de inovação foram criadas dentro de universidades públicas, as quais concretizaram diversos contratos de licenciamento de patentes que começaram a gerar receitas adicionais para as mesmas através do pagamento de royalties.
Por outro lado, as empresas passaram a dispor de uma opção estratégica para dar um salto significativo através do modelo da “inovação aberta”, sem falar da disponibilidade de recursos de fomento à inovação em linhas reembolsáveis e não-reembolsáveis, que viabilizaram o financiamento da atividade inovadora com taxas de juros subsidiadas ou compartilhando os custos, ficando os riscos assim mitigados.
Estes mecanismos de estímulo à inovação já são amplamente empregados em países desenvolvidos, segundo as normas da OMC. No Brasil, como exemplo de linha de fomento reembolsável, pode-se citar o programa Pro-Inovação da FINEP que trabalha com um custo de TJLP inferiores a 2% a.a., sendo que a diferença é coberta pelos recursos do FNDCT. Ainda da FINEP, pode-se destacar os programas de Subvenção Econômica à Inovação que são lançados através de chamadas públicas. A FAPESP, por sua vez, também tem uma importante linha não-reembolsável que financia projetos em diferentes estágio de maturidade: o PIPE.
Outra vertente que ainda tem sido pouco utilizada pelas indústrias é a utilização dos incentivos fiscais à inovação, propiciados pela chamada Lei do Bem (Lei No 11.196/05). Esta lei prevê o abatimento de gastos com inovação sobre o lucro tributável, a possibilidade de redução de 50% do IPI incidente sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos destinados para P&D, redução do IRPJ e 60% de subvenção econômica na remuneração de mestres e doutores.
Em divulgação do Ministério da Ciência & Tecnologia – MCT, relativa à utilização dos incentivos fiscais da Lei do Bem no ano de 2006, foi informado que 130 empresas se beneficiaram, totalizando mais de R$ 229 milhões. Pela distribuição setorial destes recursos, observa-se ainda um grande desconhecimento por parte de muitos setores importantes tal como, por exemplo, o de papel e celulose, que contabilizou somente cinco empresas beneficiadas neste ano.
Para Manuela Soares, coordenadora de projetos da Incentivar Consultoria, empresa do grupo Inventta, é muito importante que as EBTs criem uma estrutura propícia para aplicação dos incentivos fiscais, conforme frisado a seguir:
“Indiretamente, esta preparação permite que a empresa tenha recuperação de grande percentual de gastos com atividades inovativas, além de benefícios intangíveis com o conhecimento e visibilidade do potencial inovador da empresa, melhoria no processo de gestão da inovação e a viabilização de novos projetos de P&D”.
Apesar da Lei do Bem ser uma iniciativa louvável, ela surgiu com certa discriminação entre as empresas. Isto decorre do fato de somente atingir aquelas que adotam a apuração de lucro real, o que beneficia prioritariamente as empresas de grande porte. As empresas de médio e pequeno porte declaram lucro presumido e não têm acesso aos benefícios da Lei do Bem. Deste modo, os privilégios estão sendo concedidos, em grande parte, para empresas estrangeiras.
No final de 2007, numa tentativa de contornar esta dissonância, foi regulamentada a Lei Rouanet da Pesquisa (Lei No 11.487/07), que modificou a Lei do Bem e incluiu a isenção fiscal para as empresas que atuam em parceria com ICTs. Esta distorção deve ser corrigida com brevidade para não prejudicar empresas do tipo startups e spinoffs que são certamente as maiores propulsoras de inovações radicais (já vimos que as empresas de grande porte tradicionalmente arriscam menos e concentram-se nas inovações incrementais).
Com todos estes instrumentos de incentivo à inovação, que compõem o marco regulatório brasileiro e que vão desde a disponibilidade de recursos de fomento até os incentivos fiscais e a disseminação da cultura da inovação, pode-se afirmar que nosso país dispõe finalmente de uma política de CT&I de longo prazo.
Só nos resta observar os efeitos nas próximas décadas e atuar segundo os pilares da “inovação aberta”, beneficiando-se deste ambiente que, apesar de ainda muito precoce, promete incentivar irreversivelmente a competitividade das empresas e instituições de pesquisas brasileiras: um ambiente muito mais propício para inovar!
Autoria por Ricardo Barreto
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Para saber mais:
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Rodrigues, A. de O. Química Nova, 21(2), 1998, 228-242.
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Atos do Poder Legislativo, Edição No 232 de 3 de dezembro de 2004.
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Furtado, J. Entrevista concedida sobre legislação da inovação para revista CONECTA, junho de 2008.