PAZ versus CONFLITOS § 94 – 96

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§ 94

Desvendando suas próprias “janelas Killer”. Vimos na paródia sobre “o sofá da dona de casa” que a causa primária das nossas verdadeiras crises existenciais não decorre de meras circunstâncias do cotidiano, nem tampouco de atitudes alheias, por mais atrozes aos nossos princípios que o sejam. A “ferida” do Ego reside, outrossim, nos traumas que ficaram “cravados” no nosso inconsciente, os quais ativam certas reações emocionais indesejáveis, tais como os sentimentos de medo, revolta e até mesmo a ira, cujas consequências são, invariavelmente, avassaladoras. A psicologia moderna perscrutou estes fenômenos comportamentais ligados ao inconsciente de forma extensiva, muito embora os mesmos tenham sido preconizados desde os primórdios do budismo (conceito de Alaya Vijnana) como o repositório das “sementes” Kármicas que determinam o nosso comportamento.1 Fica assim evidente que a base da identidade do indivíduo não se encontra no “estrato” mais visível da personalidade (a consciência). Na verdade, o cerne do processo reencarnatório reside justamente na mente inconsciente que mantém sua integridade ao longo dos ciclos de vida, muito embora um dos grandes mistérios da autoiluminação seja justamente a capacidade de desvendar as “portas” do inconsciente. Normalmente estas ficam “cerradas” como um mecanismo natural de autodefesa da mente. Eis aí a verdadeira arte dos poucos que são realmente preparados para psicanálise! Um dos propósitos do ciclo da cultura de valor é ajudar no autoconhecimento, desvendando suas próprias “janelas killer“,2 sem necessariamente ter de abri-las para um terapeuta profissional (ou holístico), muitas vezes despreparado para lidar com seus próprios gatilhos emocionais apesar das boas intenções.

§ 95

Nada de piloto-automático! Como poderíamos evitar tais conflitos conscienciais? Trocar de sofá (para nossa dona de casa) seria, sem sombra de dúvidas, a forma mais fácil. Ou trocar de emprego no caso do chefe, mudar de casa no caso do vizinho, etc. Acontece que o “custo emocional” vai ficando cada vez mais alto… Até mesmo arrancar o cunhado do mapa ou encarar uma separação judicial ainda é uma atitude plausível em alguns casos, mas o que dizer quando constatamos que o problema está na nossa mãe ou até mesmo no seu filho (o pestinha)? Na vida estamos, via de regra, buscando soluções paliativas que agem somente nos efeitos, ignorando as verdadeiras causas. Evitamos, sempre que possível, olhar para dentro de nós mesmos e desvendar os mecanismos de funcionamento da nossa mente, os seus recônditos mais obscuros com o destemido rigor!

Só encontraremos a Paz interior quando fizermos sistematicamente revisões criteriosas do nosso sistema de crenças, buscando eliminar os equívocos que geram as emoções deletérias que bloqueiam a geração de valor.

Nosso pensamento pode, portanto, ser afetado (ou dirigido) de duas formas: pela nossa consciência quando o “eu” está em pleno controle da direção, ou pelas nossas emoções despertadas pelo inconsciente, isto é, quando a direção fica completamente descontrolada, ou ainda, quando muito, no “piloto-automático” da vida… Aliás, este é o modo de condução de boa parcela dos indivíduos. Lembrem-se: basta uma fração de segundo de descontrole para colocar em risco toda uma existência de esforços evolutivos!

§ 96

O porquê dos “5 porquês”. Estamos diante de um típico processo de melhoria contínua, neste caso do nosso próprio sistema de crenças. Isto mesmo, todos aqueles conceitos do famoso sistema de produção da Toyota seriam perfeitamente aplicáveis neste contexto. Basta nos atermos num único e primordial conceito que veio a nascer das necessidades de produção ágil e reprodutível no Japão industrial do século XX, quando Taiichi Ohno, Shingeo Shingo e Eiji Toyoda propuseram a análise de causa raiz, mais especificamente a técnica dos “5 porquês”. Ela aplica-se a qualquer tipo de evento e está fundamentada na lei de causa e efeito. Seu axioma: nem tudo que aparenta ser a causa realmente o é. Nos enganamos quase que intuitivamente e acabamos encontrando soluções temporárias mais fáceis, de modo que o problema original permanece. O ser humano tem um mecanismo mental muito perspicaz de defesa que é a negação inicial do problema. E contenta-se, desta forma, com as chamadas “ações de contenção”, os mais variados e criativos paliativos. Tudo para evitar a dura realidade que está sempre na origem do problema.

Créditos:

Autoria por Ricardo Barreto

Da obra no prelo CULTURA DE VALOR: aforismos para uma vida plena

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Saiba mais:

1. Peter Harvey, A tradição do Budismo: história, filosofia, literatura, ensinamentos e práticas, São Paulo: Cultrix, 2019.

2. Augusto Cury, Ansiedade: como enfrentar o mal do século, Saraiva: São Paulo, 2014.

PAZ versus CONFLITOS § 91 – 93

#ricardobarreto #culturadevalor #valores #cultura #aforismos #paz #conflitos #desejos #apego #desapego #aversão #psicologia #budismo

§ 91

Desejo versus apego. Nem todo desejo é prejudicial ao ser. Na verdade, o desejo quando “puro” é louvável e nos traz felicidade verdadeira. A distinção é muito tênue e se dá justamente pela capacidade ou não de controle sobre o mesmo. Ou seja, quando um desejo é tão intenso que a nossa mente simplesmente não consegue evitá-lo, o mesmo é considerado apego, algo que alimenta o nosso Ego e precisa ser evitado. Já o desejo, se pautado por propósitos geradores de valor, é sutil e perene, sem compulsão e naturalmente recompensado. Via de regra é fonte de regozijo da alma, nossa verdadeira essência divina. Sob esta ótica, portanto, a origem de tal “erupção” dos sentidos, citada anteriormente, decorre sempre de um conflito consciencial, “algo” com que nos deparamos no intercurso existencial que se opõe ao nosso “sistema de crenças” vigente. Isto mesmo, não se enganem, tudo começa na primeira etapa do ciclo da cultura de valor.

§ 92

Desapego versus aversão. Gosto tanto do budismo, em especial pela dualidade de alguns dos seus conceitos que são muito simples, mas nunca tão óbvios quanto os dois lados da mesma moeda… Se o apego é ruim, logo o desapego não o é. No entanto, este não pode se confundir com aversão que é a outra grande causa do sofrimento humano, geradora de conflitos e aniquiladora do estado de paz interior que tanto perseguimos. A sabedoria reside na equanimidade. Trocando em miúdos, seria atribuir a “dose correta” de cada um desses atributos e no momento certo! Pense comigo. Se somos desejosos de “algo” que nos apraz, também experimentamos a sensação contrária sobre algo que nos perturba, certo? Isto é o que chamamos de aversão. Pode ser referente a uma pessoa, ou uma situação corriqueira, um fato político, uma traição, uma briga em família, o cachorro do vizinho, o time de futebol e até mesmo um simples objeto imperfeito. Ah, são tantas as coisas que nos perturbam… Vamos refletir sobre o que se passa em nossa mente para encontrarmos uma maneira de evitar tamanha suscetibilidade aos fatos que, muitas das vezes, não deveriam nos aborrecer. São meras “externalidades”, fora do nosso campo de controle. Na verdade, a origem é simplesmente o “gatilho” de uma reação em cadeia que tem sua causa primária na imperfeição do sistema de crenças do próprio indivíduo, podendo evoluir para obsessões ou fobias patológicas, algo que pensamos sistematicamente e pode comprometer sobremaneira o ciclo da cultura de valor.

§ 93

Psicologia do si mesmo. Vejamos o caso mais simples. Como um mero objeto poderia ser a causa de um conflito existencial? Verdade seja dita: o fato é muito mais comum do que imaginamos. Imagine uma dona de casa que teve sua infância marcada por um lar desestruturado, sem hora para comer, sem hora para dormir, sem privacidade, um entra e sai de gente que nem se conhece direito, enfim, um verdadeiro pardieiro! Depois de adulta, já levando sua vida de forma independente, qual seria a sua “auto defesa” natural? Muito provavelmente acreditaria que sua felicidade se baseia numa vida regrada, com a casa extremamente organizada, os filhos impecáveis na mesa para refeição em família, o marido barbeado e comprometido com a manutenção do lar. Agora imaginem como ficaria o humor desta mesma dona de casa se o seu filho fosse um verdadeiro “pestinha” e que o sofá da sala não durasse mais que 6 meses sem um rasgo de ponta a ponta ou uma mancha de chocolate do tamanho de uma almofada! Eis um exemplo de como um objeto (neste caso o sofá) pode ser o estopim para uma crise de pânico genuína. Sua crença de que uma “vida organizada”, extremamente regrada, previsível e estável, contrária a tudo o que sofreu em sua infância, pode ser abalada por uma criança hiperativa que só estava extravasando sua energia excessiva no sofá da sala. Veremos agora como esta mesma dona de casa poderia se livrar do “trauma do sofá” sem passar pela via crucis dos psicólogos barbitúricos…

Créditos:

Autoria por Ricardo Barreto

Da obra no prelo CULTURA DE VALOR: aforismos para uma vida plena

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PAZ versus CONFLITOS § 88 – 90

#ricardobarreto #culturadevalor #valores #cultura #aforismos #paz #conflitos #autoiluminação #discípulos #mestre #buda #cristo

§ 88

Do propósito da autoiluminação. Vimos que a total ausência de “ego” nos impele ao estado de consciência búdica chamado de “vacuidade”, em que o ser não mais se condiciona a nada que existe. Está deveras liberto. Sem karma. No entanto, de que adiantaria voltar-se a tal estado se não puder contribuir com a evolução de outros seres? Algo “egoísta” poder-se-ia atribuir como qualidade primordial de tal processo evolutivo. Ao mesmo tempo, como poderiam servir de exemplo para outras consciências sem interagir diretamente com elas? Mais uma das dicotomias de que a metafísica está repleta e por isso mesmo é assim tão instigante… Uma consciência autoiluminada que não se detenha a um propósito evolutivo não pode ter atingido, de fato, a autoiluminação. Buda e Cristo tiveram muitos discípulos, diretos e indiretos. Foram eles os grandes responsáveis pela disseminação das suas doutrinas e se tornaram, assim, seus apóstolos. Ou seja, o propósito maior da autoiluminação é tornar-se uma referência espiritual para iluminar os demais. Não pode haver outro porquê. Neste ponto, diz-se que o ser se tornou uma “consciência-guia”. São consideradas mestres espirituais e somente elas estão aptas a retornarem para o “núcleo” da criação, integrando-se novamente à superconsciência e, ao mesmo tempo, somando esforços a uma coletividade de consciências-guia que continuam a monitorar permanentemente todos os eventos que regem a existência de uma plêiade de consciências a elas conectadas pelo poder do pensamento, único veículo para o qual espaço e tempo não são limítrofes, desde que haja suficiente foco e concentração: o combustível da mente meditativa.

§ 89

Discípulo e mestre. Tal o dilema: é o discípulo que escolhe seu mestre ou o mestre que escolhe seu discípulo? Precisamos, antes de mais nada, descobrir qual seria o critério para uma consciência-guia selecionar seus discípulos e seguidores. Bem difícil especularmos sobre tais premissas que ainda estão muito distantes do nosso atual estágio evolutivo. De qualquer forma, o rigor filosófico nos permite ao menos algumas inferências… Uma delas já foi vista e reside justamente na tendência natural de olharem necessariamente por aqueles aos quais estão conectados pela força do pensamento. Imagine você quantas consciências ao redor do planeta não emitem vibrações diariamente para o Buda ou Jesus Cristo? Me parece muito improvável que estes seres de luz permanecessem indiferentes a tais vibrações, mesmo libertos da egoidade. Evidentemente que não precisam se limitar às coletividades de onde provieram. Podem emanar vibrações geradoras de valor para coletividades inteiras em todo universo e em diferentes estágios evolutivos. Não necessariamente uma coletividade deve ser amparada diretamente por consciências-guia autoiluminadas. Em realidade, consciências de padrões vibratórios inferiores são via de regra direcionadas por planos intermissivos concebidos por consciências-guia mais evoluídas, porém não ainda libertas do ciclo de reencarnações naquele mundo. Ou seja, uma consciência-guia que acabou de libertar-se da necessidade de interação no plano fisíco terrestre pode carecer de interações em outros mundos cuja realidade física seja distinta e cada vez mais sutil. Ao mesmo tempo, ainda distantes da estabilidade plena de que já falamos, podem continuar zelando por consciências dos mundos de onde emigrou. Tais “transmigrações” são a chave dos processos evolutivos dos mundos no intercurso do progresso consciencial rumo à consciência cósmica.

§ 90

Da origem dos conflitos. Que o conflito se origina da ausência de paz é óbvio. Difícil mesmo é descobrir o que de fato nos confere a tão sonhada paz de espírito… Somente ela pode nos livrar do mal e somente ela prescinde de outras coisas para existir. Encontre, portanto, o que nos confere a paz de espírito que assim se extirpará toda e qualquer sorte de conflito. Após muito refletir sobre o tema, cheguei a uma conclusão inusitada: só existe uma origem para todo e qualquer conflito, a ausência de um mestre espiritual. O conflito se dá pela ausência de direção, pela confusão mental, pela falta de rumo na vida! É por isso que Cristo falava que se a sua fé fosse do tamanho de um grão de mostarda conseguiria até mesmo remover montanhas. Isto mesmo, caro leitor. A conclusão tão óbvia é que somente quando encontramos nossa consciência-guia, nosso verdadeiro mestre espiritual, é que cessará a confusão mental, a intempestividade no agir e a letargia e arrependimento no que está por vir. A paz, portanto, advém da fé e a fé só existe se houver alguém que nos aponte o caminho. Fora disso seremos sempre um ser em busca de algo que não sabe exatamente o que é. Um eterno “buscador”, cujo “mundo interior” é tomado pelos arcabouços da mente, num verdadeiro turbilhão de pensamentos, refém dos sentimentos, mais assemelhando-se a um “vulcão” em constante erupção, com ações e hábitos incoerentes com a sua verdadeira essência que nos aproxima de Deus.

Créditos:

Autoria por Ricardo Barreto

Da obra no prelo CULTURA DE VALOR: aforismos para uma vida plena

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PAZ versus CONFLITOS § 85 – 87

#ricardobarreto #culturadevalor #valores #cultura #aforismos #paz #conflitos #Deus #vacuidade #karma #alma #buda #cristo

§ 85

Da paz. Para mim esta palavra tão pequena, e ao mesmo tempo tão poderosa, encerra o significado mais importante de todos os valores no plano sutil. Parece óbvio, mas certamente o leitor, ao iniciar esta reflexão, deve ter pensado, mesmo que de relance, na tão famosa insígnia da hora derradeira: “descanse em paz”. Mas será que este é realmente o único atributo de quem está em paz? Também ficamos aqui a pensar: será que não seria possível atingir a paz em vida??? Adianto que podemos respirar aliviados: por certo que não é preciso morrer para encontrá-la! Muito pelo contrário… Buda e Cristo, bem como muitos de seus seguidores, e outros profetas de diversas crenças religiosas, já a encontraram e em vida. Uns a chamam de nirvana, outros de comunhão eucarística, ou samádi, mas no fundo a essência é uma só: um estado de profunda conexão com Deus, cujos atributos são revelados pela imutabilidade de condicionantes, vacuidade dos pensamentos e bondade compassiva nas ações.

§ 86

A natureza de Deus. A imutabilidade é algo inatingível? Sim e não. A total ausência de condicionantes nos parece algo surreal porque somos demasiadamente mundanos, apegados aos sentimentos e cheios de preconceitos, aversões e medos oriundo das experiências mal sucedidas do passado. Ou seja, remoemos o passado e receamos o futuro, deixando de lado a única realidade acessível que é o presente. Paradoxalmente, a única verdade é justamente contrária: todas as consciências irão sim atingir algum dia o estado fundamental de estabilidade, a tão sonhada imutabilidade. A única diferença é que o Criador sempre existiu, imutável e absoluto. Nós, não. Dele proviemos em algum ponto no “espaço-tempo”, nos desviamos através de ações geradoras de karma e para ele regressaremos algum dia, regidos pela “lei de atração”. A física e a química quântica também não nos ensinam este mesmo conceito pelos elétrons que eventualmente, após muito orbitarem em suas “meia-vidas”, colapsam novamente ao núcleo e reencontram prótons, nêutrons e quem sabe mais?! As respostas, mesmo das questões filosóficas ou metafísicas consideradas insondáveis por muitos, estão invariavelmente na própria natureza que reflete a perfeição das leis que a regem.1  

§ 87

Um dilema de identidade. Todos aqueles que já se enveredaram nos estudos do budismo original,2 passando pelas primeiras escrituras do cânone em Páli,[*] compiladas por monges que viveram na Índia antes da Era Cristã, bem como do entendimento de escolas mais modernas como a do zen budismo que têm no conceito de “vacuidade” um dos seus pilares, muito provavelmente se depararam com o questionamento fundamental de que, para a total ausência de ego seria realmente preciso abster-se até mesmo da identidade do ser, da alma, dessa nossa unidade indivisível e universal que nos conferi a singularidade da existência. Confesso que, para mim, este foi um ponto de cisão filosófica, considerado um tanto quanto ambíguo para uma doutrina que também se pauta pela lei de causa e efeito: o karma. Voltando à questão da “liberdade infinita” adquirida pelas consciências auto iluminadas, qual seria o sentido de tanto esforço evolutivo se disso resultasse o nada panteísta, ou seja, perde-se a identidade após tanto esforço evolutivo? Mesmo apregoando-se contrários ao niilismo, o estado de liberdade infinita não significa que estas consciências que atingiram a imutabilidade e a vacuidade não irão mais interagir de forma alguma com outros seres. Na verdade, elas passam a interagir permanentemente, mas de forma indireta exercendo o terceiro dos atributos: a bondade compassiva. Tenho de concordar que estes “seres de luz” dificilmente retornam ao plano físico, salvo raríssimas exceções como a vinda do Cristo com o curso intermissivo, em momento crítico para impulsionar a humanidade por demais subjugada.


[*] O páli é uma língua litúrgica utilizada na escola Teravada do budismo. Pertence ao tronco linguístico indo-europeu. É uma língua antiga indiana, próxima daquela falada pelo Buddha. Pode-se dizer que o páli é uma forma simplificada de sânscrito.

Créditos:

Autoria por Ricardo Barreto

Da obra no prelo CULTURA DE VALOR: aforismos para uma vida plena

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Saiba mais:

1. Barreto, R. L. LIVROVIVO: 2000 – 2002, Campinas: Editor-Autor, 2003.

2. Bodhi, Bhikkhu, In the Buddha´s words: an anthology of discourses from the Pali canon, 1st ed., Somerville, USA: Wisdom Publications 2005.  

O design thinking e a mediação empresarial

#ricardobarreto #designthinking #mediaçãoempresarial

FORMATO DO CONTEÚDO: white paper

TEMPO DE LEITURA: 00:19:47

Introdução

Toda empresa apresenta conflitos e o papel da medição empresarial é amenizá-los, evitando assim disputas jurídicas contraproducentes. Por sua vez, o design thinking já tem sido amplamente aplicado nas empresas como uma das principais metodologias para o desenvolvimento de produtos ou serviços centrada na solução de problemas ou no atendimento das necessidades dos clientes.

Ao propor neste artigo uma nova abordagem do design thinking na mediação empresarial, partiu-se da realidade inquestionável de que toda organização enfrenta inúmeros desafios na busca de diferentes formas de valor para os seus stakeholders. Tais desafios envolvem necessariamente conflitos nas mais variadas esferas de atuação da empresa, desde os mais simples no âmbito individual como os conflitos entre funcionários até os mais complexos entre áreas internas, unidades de negócios, parceiros estratégicos, clientes e fornecedores.

Urge que se faça, portanto, uma importante distinção do conceito de “desafio” que se trata neste contexto. Em realidade, foi esta uma proposição do Prof. Horst Rittel da Universidade da Califórnia e inspirada no filósofo Karl Popper, que define um “desafio” (chamado mais propriamente de wicked problem) no contexto das ciências sociais (Churchman, 1967) como:

Uma classe de problemas mal formulados do sistema social, em que a informação encontra-se confusa, em que existem muitos clientes e tomadores de decisão com valores conflitantes, bem como suas ramificações em todo sistema são completamente confusas.

Deve-se destacar ainda que Buchanan foi pioneiro em afirmar que o design thinking poderia ser aplicado para solucionar tais “desafios” em que há muitos clientes e tomadores de decisão com valores conflitantes. Ele afirma com propriedade que o design thinking poderia ser aplicado em qualquer área da experiência humana (Buchanan, 1992).

Esta teoria foi posteriormente desenvolvida e levou ao conceito da “criatividade abrasiva” (Leonard e Strauss, 1997) em que os conflitos interpessoais são vistos como uma maneira de gerar inovação através de diferentes abordagens cognitivas.

Por sua vez, Bauer e Eagan vislumbraram a influência do estilo cognitivo do design thinker para outros stakeholders que não somente os usuários ou clientes de um determinado produto ou serviço (Bauer e Eagan, 2008).

Apesar destes importantes esforços, a aplicação do design thinking no contexto da mediação empresarial ainda não foi tratada como uma nova estratégia de inovação do processo. As técnicas empregadas atualmente no Brasil, recomendadas no Manual de Mediação Judicial publicado em 2016 pelo Conselho Nacional de Justiça, como o conceito de rapport, bem como a Teoria do Conflito e a Teoria dos Jogos, poderiam ser complementadas e até mesmo substituídas pela aplicação do design thinking.

Seu papel seria o de prover mecanismos que favoreçam a emergência de insights por agentes externos ao processo, sem limitar a gama de soluções que poderiam ser apresentadas somente pelos participantes como alternativas à mediação em si.

A prática do design thinking na mediação abre assim a perspetiva da construção de soluções conjuntas através da observação etnográfica e a ideação contínua, lançando mão de modernas ferramentas de trabalho em grupo como o storytelling, brain-writing e o storyboard.

Do design ao design thinking

Ao focarmos no conceito mais amplo do design, pode-se identificar inúmeras formas de aplicação que fogem ao domínio exclusivo das tradicionais escolas de artes e ampliam o espetro de atuação para praticamente qualquer profissional, desde os campos da arquitetura, engenharia (produtos e serviços), moda, comunicação, pensamento filosófico, educação, medicina e, por que não dizer, nas sendas do direito jurídico.

A este respeito, Roger Martin afirmou com assertividade a seguinte frase que reflete exatamente toda esta amplitude de aplicações (Martin, 2006):

Os homens de negócios da atualidade não precisam de entender melhor os designers, eles precisam tornar-se designers.

Roger propôs ainda que o que distingue a maneira de pensar dos designers são os aspectos cognitivos, afetivos e interpessoais. No fundo, o elo de ligação entre estes aspectos é um só: a experiência. O design está centrado, portanto, na experiência do usuário, do cliente, das partes envolvidas, lembrando que o usuário pode ser literalmente qualquer um que utiliza, deseja, convive ou tem interesse por uma coisa, pessoa ou circunstância. O fato é que o design fica na interseção entre as ciências e as humanidades, o que lhe dá um posicionamento único como abordagem criativa.

Depois de chegar ao conceito mais amplo do design, possível o é começar a pensar em aplicações outrora inimagináveis aos campos do design puro. Sendo assim, um dos primeiros a citar o design thinking foi o aquiteto e urbanista Peter Rowe, argumentando que a natureza do processo de solução de problemas é a solução em si (Rowe, 1987).

Na sequência, generalizou-se este conceito ao afirmar que o mesmo poderia ser aplicado praticamente a qualquer coisa tangível ou intangível: sinais, objetos, ações e pensamentos (Buchanan, 1992).

No entanto, o conceito do design thinking somente ganhou notoriedade nos últimos 10 anos com os trabalhos desenvolvidos por Tim Brown em sua empresa de consultoria, a Ideo, que o aplica mundialmente nos seus clientes dentro do contexto específico da inovação de produto.

Apesar da sua importância inequívoca nas práticas de desenvolvimento de produtos (ou serviços), não se pode relegar o papel do design thinking também em questões sociais e políticas. Um exemplo é o MindLab que utiliza o design thinking para criar novas soluções para sociedade (Kimbel, 2011).

A lógica por trás dos “criativos inteligentes”

A emergência da classe dos “criativos inteligentes”, aqueles profissionais com elevada competência para inovar, é um fenômeno que muito tem a ver com o design thinking, mas o embasamento teórico reside na distinção dos conceitos de lógica, mais propriamente dos 3 tipos conhecidos de lógica: a dedutiva, a indutiva ou a abdutiva.

A problemática se dá porque o sistema de recompensas vigente nas organizações encoraja exclusivamente os resultados concretos, ou seja, aqueles fundamentados na lógica do que é ou do que deveria ser (a dedutiva e indutiva, respectivamente) e acaba por desprezar as possibilidades oriundas da lógica do que poderia ser (a abdutiva).

Num quadro de metas de desempenho, por exemplo, o pensamento analítico da lógica dedutiva e indutiva é perfeitamente natural dada a necessidade de se evitar quaisquer tipos de constrições. No entanto, a lógica abdutiva (do que poderia ser) encara as constrições como desafios motivadores do pensamento integrativo que busca soluções criativas justamente do conflito gerado pela tensão das constrições (Martin, 2002).

Ou seja, o que é desagradável e arriscado dentro de uma linha de raciocínio puramente analítico (pela lógica dedutiva ou indutiva), torna-se promissor e inspirador na lógica oposta (a menos conhecida lógica abdutiva) do pensamento integrativo que é justamente aquela aplicada pelo design thinking.

Trazendo-se para uma linguagem mais corriqueira, o design thinking foge das alternativas pre-determinadas e estimula a criação de novas alternativas, literalmente o que poderia se chamar de pensamento “fora da caixa”. Foi esta a grande mudança de paradigma observada nos últimos anos, primeiramente no campo da inovação de produtos e serviços.

A ruptura de Tim Brown

Ao agregar a forma de pensamento no design e aplicá-la nos processos empresarias de inovação, Tim Brow criou uma verdadeira ruptura com a visão “física” e analítica do mesmo, transpondo-a para o campo do “abstrato” através de um modelo de fluxo pautado pela experiência e iteração.

É, portanto, um processo “fluido” centrado no ser humano para solução de problemas ou necessidades na forma de desafios e não na tecnologia e nem na organização propriamente dita, sendo caracterizado pela autonomia, flexibilidade e criatividade.

Para estruturar a linha de pensamento deste artigo, decidiu-se extrair os elementos essenciais da sua definição mais aceita do design thinking e trazê-los para o contexto da mediação empresarial ilustrando-os com exemplos. Eis a proposição com cada um dos elementos essenciais em destaque (Brown, 2009):

Uma abordagem sistêmica e intrinsicamente holística para atacar desafios, a qual funciona através de ciclos iterativos e reside nos métodos empregados por designers para atender com sucesso as necessidades humanas, considerando tanto as restrições dos sistemas tecnológicos como as restrições das empresas.

Tim apregoa ainda que deve-se atender simultaneamente três critérios para que haja inovação: desejabilidade, viabilidade e praticidade (Brow, 2008). Em analogia, propõe-se aqui uma pequena adaptação para o caso específico do processo de mediação, tendo-se em vista que a “desejabilidade” não envolve mais somente os “clientes” e sim duas ou mais as partes envolvidas.

 

Fig. 1. Critérios para que haja mediação. Adaptado de Brown (2008).

 

Outra característica importante do design thinking, especialmente no âmbito dos processos de mediação empresarial, reside na maior segurança e confidencialidade das informações. Apesar de contar com uma fase “aberta” de consultas a terceiros para posterior extração de insights, ver-se-á que somente o facilitador/mediador tem acesso ao conjunto de informações veiculadas em todas as etapas de cada fase do processo.

Abordagem sistêmica

Talvez um do mais importantes elementos que permitem a aplicabilidade do design thinking nas organizações seja sua característica de ser um processo sistemático e reprodutível. Brown propôs que todo “projeto de design” deve passar necessariamente por três fases: a inspiração, a ideação e a implementação (Brown, 2008). Da mesma forma, no processo de mediação empresarial são seguidas exatamente as mesmas fases, com algumas alterações de escopo (fig. 2).

 

Fig. 2. Etapas do processo de design thinking na mediação.

 

Na primeira fase de inspiração o foco é “ouvir” as pessoas que de alguma forma participaram direta ou indiretamente do evento gerador de conflito. Importante observar que não se trata das partes envolvidas e sim das testemunhas ou especialistas em algum aspecto ligado ao evento. Se a mediação se dá, por exemplo, entre o lojista e a administradora de um shopping, deve-se ouvir a opinião de outros lojistas ou de um especialista em gestão de shoppings.

Parte-se então para a fase de ideação onde o foco move-se para a criação de oportunidades, soluções e protótipos baseados nos insights colhidos na fase anterior de pesquisas. Aqui sim a equipe de design é constituída pelas partes envolvidas no conflito (mantendo-se nosso exemplo, seriam o lojista e o gerente responsável pela admistração do shopping), bem como o mediador que pode atuar também como facilidador das atividades.

Por fim, na implementação, tomam-se todas as providências para garantir as entregas previstas no acordo desenhado em conjunto pelas partes na fase de ideação, o que envolve minimamente um cronograma de atividades, a capacitação dos evolvidos, quando for o caso, e eventuais comprometimentos financeiros (receitas ou despesas) de cada parte.

Necessidades humanas

O design thinker atua como um “intérprete” das pessoas, sejam elas apenas coadjuvantes do evento gerador de conflito na fase de inspiração ou realmente as partes envolvidas que compõem a equipe de design nas fases subsequentes de ideação e implementação.

Sendo o próprio ser humano seu maior “insumo”, fica difícil de imaginar o trabalho sem lançar mão de algumas ferramentas da antropologia e das ciências sociais. Utilizam-se assim de técnicas de pesquisa etnográfica que ajudam a entender suas perspectivas nas situações de vivência do cotidiano. As técnicas de pesquisa quantitativa e qualitativa apresentam limitantes significativos para aplicação no contexto iterativo do design thinking.

 

Tabela 1. Diferenças entre as técnicas de pesquisa indivividuais ou em grupo.

QUANTITATIVA QUALITATIVA ETNOGRÁFICA
baseada em números input de opiniões processadas captura de diferentes sentidos
não expressa opiniões subjetivas susceptível ao julgamento psicológico retrato mais fiel das opiniões
pode ser feita à distância feita em ambientes controlados cenário onde o evento acontece

 

No contexto da mediação empresarial, apesar de não ser possível reproduzir exatamente o cenário gerador do conflito, consegue-se ter uma boa aproximação inclusive com personagens reais eventualmente envolvidos como testemunhas.

Voltando-se ao exemplo do shopping, pode-se imaginar como cenário etnográfico ideal o próprio corredor em frente à loja onde ocorreu a discussão sobre os padrões de vitrine (evento gerador do conflito). Já os sujeitos da pesquisa poderiam ser os transeuntes ou vizinhos de loja que tenham presenciado ou não a discussão.

As técnicas de entrevista também são uma habilidade crucial para trazer à tona os insights de cada participante. Uma destas técnicas é a “entrevista apreciava”, cujo foco reside na busca de um melhor entendimento do que o outro está pensando (Cooperrider, 1999).

Funciona mais ou menos assim: se alguém lhe conta que o sol é azul, você se interessa prontamente em saber mais e pergunta: _ O que você vê? Conte-me exatamente o que você observa que o levou a esta conclusão. Ou seja, por mais absurda que pareça a afirmação do interlocutor, demonstre apreço pelo seu ponto de vista, de modo que o mesmo se sinta à vontade para revelar detalhes que de outra forma passariam ocultos. Esta é uma atitude humana que demostra curiosidade pelo assunto e gera empatia.

Pelo fato da mediação empresarial, através do design thinking, buscar ideias internas e externas para obetenção dos insights que então darão origem à solução do conflito, pode-se propor aqui, em analogia ao conceito da inovação aberta (Chesbrough, 2003), que trata-se de um modelo de mediação aberta.

Valores holísticos

Outra observação importante de uma metodologia baseada no design é que ela permite que a equipe tenha uma visão mais abrangente do processo como um todo, envolvendo interfaces de visualização mais atrativas e permitindo que as pessoas tenham percepções que não teriam de outra maneira (Chasanidou, 2014).

O tema central desta área são as conexões e suas consequências. Os design thinkers estão explorando uma gama progressivamente maior de experiências no dia-a-dia e como os diferentes tipos de conexão afetam a estrutura das ações das pessoas (Buchanan, 1992).

Ao enfrentar os desafios de uma mediação empresarial, em que existem várias partes envolvidas, torna-se ainda mais premente a necessidade de assumir uma visão integrativa de todos os aspectos do conflito gerador. Neste sentido, deve-se lembrar que Owen foi um dos primeiros a vislumbrar o design thinking como abordagem para propor soluções mais complexas (Owen, 2007).

O storytelling é uma das técnicas mais poderosas aplicadas pelo design thinking logo no início da fase de ideação. Lloyd foi um dos pioneiros no emprego da técnica como mecanismo de estudo das experiênciais sociais em equipes de design (Lloyd, 2000). Por sua vez, Garcia enriqueceu a técnica ao trazer elementos visuais de multimidia e filmagem para capturar as descrições textuais (Garcia, 2002).

A partir daí o storytelling foi incorporado amplamente no design thinking como ferramenta fundamental em diversas aplicações. No contexto específico da mediação empresarial, entende-se que será ainda mais atrativa por permitir a visualização de diferentes pontos de vista de terceiros sobre o evento gerador de conflito. Propõe-se, portanto, uma variante da técnica chamada aqui de storytelling cruzado. Nela cada uma das partes irá capturar e contar as estórias relacionadas à visão da outra parte. O intuito é gerar maior profundidade da visão da outra parte segundo a ótica de terceiros.

Numa mediação clássica de conflito setorial numa grande empresa, a da Produção versus a área de Garantia da Qualidade por exemplo, o Gerente de Produção irá trazer histórias dos clientes com quem conversou sobre a qualidade do produto, enquanto que o Gerente de Qualidade irá trazer as histórias dos operadores de máquina.

O importante é que, independente da aplicação, são três os principais objetivos do storytelling:

  1. Transformar as histórias que são ouvidas durante as pesquisas na fase anterior em dados e informações;
  2. Trazer detalhes concretos que ajudem a imaginar soluções para problemas específcos;
  3. Usar as impressões causadas pelas histórias para inspirar a criação de oportunidades, ideias e soluções.

Claro que dúvidas e novas percepções surgem durante o processo, o que ajuda a rever a situação de maneiras diferentes. A seguir, apresenta-se dicas de práticas que devem ser aplicadas ou evitadas numa sessão de storytelling voltada para mediação empresarial.

 

Tabela 2. As práticas recomendadas do storytelling na mediação empresarial.

RECOMENDAÇÕES ALERTAS
Seja específico. Fale sobre o que realmente aconteceu. Inicie histórias com: “uma vez…” ou “depois disso…” Evite generalizações. Elas podem ser não-aplicáveis e gerar tensões descabidas entre as partes envolvidas no conflito.
Seja descritivo. Use os cinco sentidos para ilustrar sua descrição. Abuse de gesticulações, post-its e objetos para torná-la mais visual. Prescrições e hipóteses também são contraproducentes. Evite falar “eles deveriam…” ou “eles poderiam…”. Voltar ao passado não muda o fato gerador do conflito.
Siga regras para contar. Certifique-se de ter cobrido os segunintes tópicos: quem, o que, quando, onde, por que e como. O facilitador da sessão de storytelling, assim como o mediador, não deve julgar, avaliar ou concluir nada sobre as histórias que são contadas.

Ciclos iterativos

Originalmente o design sempre seguiu o molelo linear em que o processo era dividido em duas fases distintas: a da definição do problema e a de solução do problema. Na fase de definição do problema o designer seguia uma sequência analítica de etapas visando determinar os elementos do problema e especificar os requisitos necessários para uma solução de design bem sucedida. Já na fase de solução do problema o designer seguia uma sequência sintética de etapas em que os vários requerimentos eram combinados e balanceados, resultando num plano final para entrar em produção (Buchanan, 1992).

Com o advento do design thinking houve uma quebra de paradigma deste modelo sequencial e, apesar do processo apresentar 3 fases bem definidas de inpiração, ideação e implementação, estas não necessariamente precisam ocorrer sequencialmente podendo haver sobreposições que são até mesmo desejáveis. Os praticantes avançam e retrocedem várias vezes ao longo destas fases, tomando um curso perfeitamente não linear (Gruber, 2015).

Com esta mudança o valor potencial do design thinking nas colaborações empresariais tem sido explorado cada vez mais nos últimos anos especialmente pelo fato de aplicar métodos e ferramentas capazes de reduzir as incertezas intrínsecas do processo de tomada de decisão, baseados em informações dos insights extraídos no storytelling e na prototipagem em ciclos iterativos (Curedale, 2013).

O processo de prototipagem, mais precisamente, é uma prática reflexiva que envolve a estruturação e avaliação de um desafio de design pelo trabalho de ação ao contrário do trabalho de pensamento, sendo que as ações físicas e cognitivas estão interconectadas (Klemmer, 2006).

Na prototipação a “conversa” se dá entre o designer e o meio meio físico de escolha para comunicação, a qual pode se dar por uma série de esboços num papel, também chamado de storyboard, ou uma modelagem em argila, em espuma, bem como plástico utilizando-se uma impressora 3D, uma peça teatral ou tão-somente um simples diagrama de mapeamento relacional.

Deve-se ter em mente que a produção epistêmica de protótipos concretos permite realizações de experiências inesperadas que um designer não poderia chegar se não fosse através de um artefato concreto (Kirsh, 1994).

No caso específico da mediação empresarial, recomenda-se a aplicação do storyboard que é a maneira mais direta e simples de se explorar o lado lúdico para solucionar um determinado conflito, muito embora outras técnicas como a encenação teatral também possam ser interessantes, dependendo do fato gerador de conflito e predisposição das partes envolvidas.

Imagine a experiência completa das partes envolvidas através de uma série de imagens e desenhos. Para exemplificar, pode-se imaginar o storyboard desenhado (fig. 3) de uma solução encontrada para uma grande empresa em que existia um conflito de disputa de resultados de projetos entre as áreas de inovação e planejamento estratégico.

 

Fig. 3. Storyboard da solução para o conflito entre as áreas de inovação e planejamento estratégico. Gerada através da ferramenta gratuita disponível em storyboardthat.com.

 

Nota-se no primeiro quadro a postura de insatisfação de Murilo em seu escritório no Centro de Inovação. Ele pediu para conversar com Roberta, a Diretora de Marketing, para explanar sua insatisfação com as disputas que vinham tendo com Fabio, o Gerente de Estratégia. Em sua sala, no segundo quadro, ela dá um sermão e diz que ambos passariam a trabalhar juntos porque os objetivos estratégicos da companhia são um só. Sem dúvida, uma bela solução. No último quadro eles aparecem bem mais motivados, trabalhando juntos no mesmo escritório (observar que os nomes e personagens são fictícios).

Hábitos de designers

Não há dúvidas de que a essência dos trabalhos dos designers está fortemente presente em todo o processo de design thinking, muito embora existam 3 características preponderantes: a busca do insight dos usuários, o brainstorming e a prototipação (Seidel, 2013).

O brainstorming especificamente é uma técnica de criatividade individual ou em grupo através da qual são feitos esforços para encontrar uma conclusão sobre um problema específico através da compilação de uma lista de ideias espontaneamente sugeridas pelos pasticipantes (Licanu, 2015). O termo foi popularizado por Faickney Osborn no livro Imaginação Aplicada, publicado em 1953. Sua tese central reside no fato de que o brainstorming é mais efetivo do que indivíduos trabalhando sozinhos para geração de ideias.

Com o intuito de minimizar as inibições dos participantes em grupo, foram desenvolvidas 4 regras gerais (Dimitru, 2005): foco na quantidade, nunca critique, estimule as ideias radicais e encoraje a melhoria e combinação de ideias.

Com relação à prática em si, recomenda-se o preparo de um ambiente de imersão no formato de seminário que facilite o foco nas apresentações e a interação entre os participantes. Toda sessão de brainstorming deve apresentar quatro estágios de progresso (fig. 4) com uma duração total de 20 a 45 minutos.

 

Fig. 4. Estágios da sessão de brainstorming.

 

Apesar de ser bem menos conhecida, a técnica de brain-writing pode gerar uma quantidade de ideias significativamente maior que uma sessão convencional de brainstorming (Ionescu, 1995). Além do mais, a formulação de ideias não é feita em voz alta, o que favorece que os participantes sejam mais criativos, dado que podem formular suas ideias em silêncio e com melhor nível de concentração, dando oportunidade para que pessoas com perfil menos comunicativo participem mais ativamente.

Existe um ponto ainda mais importante que torna a técnica de brain-writing ideal no contexto específico da mediação empresarial. Ela muda o foco da pessoa para o problema, ou mais propriamente para o “desafio”, permitindo assim o seu uso quando há conflito entre os próprios participantes da sessão.

A técnica que também é conhecida como método 6-3-5 é muito simples. São formados grupos de 6 participantes e cada pessoa deve escrever 3 ideias em 5 minutos numa folha de papel e transfere para outro participante do grupo. Ele lê as 3 ideias e as utiliza como inspiração para formular outras 3 ideias e assim sucessivamente até que todos tenham participado. Ao final do processo, poderão ter sido geradas até 108 ideias em 30 minutos. Importante a figura do mediador ou facilitador para supervisionar a sessão e que as regras fiquem claras para todos antes do início da sessão: não deve haver conversas durante a formulação das ideias; pode-se usar palavras-chave; expressões devem ser escritas claramente; ideias descritas sucintamente (Csikszentmihalyi, 1996).

Conclusão

Foi visto anteriormente que o design thinking, independente da aplicação, está centrado justamente na interface de três constrições: a desejabilidade, praticidade e viabilidade (fig. 1). Segundo Tim Brown, cada uma delas reflete um aspecto importante para que o processo seja bem sucedido (Brown, 2010).

Com relação às limitações financeiras, deve-se destacar que a realização de “mini-pilotos” antes da implementação da solução completa é uma estratégia fundamental para que a implementação do projeto seja bem sucedida. O intuito é identificar os próximos passos simples e de baixo investimento que ajudem a manter vivas as ideias.

Para cada mini-piloto, logo no início deve-se sempre responder a três perguntas elementares e direcionadoras:

  1. Que recursos precisarei para testar a ideia?
  2. Que questões-chave o mini-piloto deve responder?
  3. Como mediremos o sucesso do mini-piloto?

No exemplo de solução para o conflito entre a área de Inovação e de Planejamento Estratégico, visto no storyboard (fig. 3), podemos facilmente planejar um mini-piloto respondendo a estas questões de uma forma um pouco mais elaborada, fazendo-se uso da seguinte planilha de planejamento:

 

Fig. 5. Planejamento do mini-piloto da solução para o conflito entre as áreas de Inovação e Planejamento Estratégico.

 

Vimos, assim, que a conclusão prática da aplicação do design thinking é a realização de um mini-piloto. Somente assim ter-se-á a “prova de conceito” da solução desenhada, sem delongas para um desenvolvimento ágil e contínuo. E claro, caso não dê certo, parte-se para a próxima ideia da lista! Isto mesmo, como todo processo evolutivo, este não poderia deixar de ser iterativo ad eternum… Salve os designers e que seus métodos estejam cada vez mais presentes nas corporações e também nos escritórios de advocacia.

Créditos:

Autoria por Ricardo Barreto

Conteúdo exclusivo de ricardobarreto.com

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Saiba mais:

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